domingo, 30 de junho de 2013

Plínio Marcos FUTEBOL É PRA MACHO



Futebol é pra macho


    Certa vez, o União da Barra do Catimbó recebeu o seguinte ofício:

“Ilmo. Sr.
Diretores do União da Barra do Catimbó
  Nós vem por essa mal traçada linha chamar vocês aí pra jogar no campo da gente uma partida de futebol no domingo, que a gente só joga nesse dia, que nos outro a gente trabalha. Se vocês quiser vim, pode responder o ofício dizendo que vem, que é pra gente pendurar ele na tabuleta do boteco do Almeida pros sócio do time da gente poder ver que vocês aceitou e se na hora vocês ficar com medo e não vier eles não ficam pegando no pé da gente e dizendo que essa diretoria não tem ninguém que sabe tratar jogo. Agora, se vocês não tão a fim de encarar a gente, então é problema de vocês. O Flor do Ó não tem medo de ninguém”. (Ass.: Olavo Silva – Diretor Esportivo do Flor do Ó)

    Assim que leu o ofício, o Seu Azulão, presidente do União, se picou de raiva. Convocou a diretoria do seu time, leu o ofício do adversário e de imediato todos toparam o jogo com o Flor do Ó. E como era solicitado pelo desafiante, mandaram a resposta num ofício caprichado:

“Ilmo. Sr.
Diretores do Flor do Ó
  Nós recebeu o ofício marcando jogo e responde por essa mal traçada linha que aceita. Nós não é de enjeitar parada. Se a gente tivesse medo de homem, não saía na rua vestindo calça. A gente vai, pode anunciar. Mas tem um negócio que é o seguinte. Nós dá o juiz e vocês que é o dono do campo dá a bola. Domingo tamos aí na Freguesia do Ó pro que der e vier. Respondem logo se aceitam dar a bola. Se tiver medo de nós, é só dizer que não querem, que a gente não vai”. (Ass.: Eldócio Pereira (Azulão) – Presidente do União da Barra do Catimbó)

    De posse do ofício do União da Barra do Catimbó, o pessoal da diretoria do Flor do Ó se atucanou e, rápido e rasteiro, mandaram um pivete levar outro ofício com novas bases:

“Ilmo. Sr.
Diretores do União da Barra do Catimbó
  Nós recebeu seu ofício que veio cheio de mumunha. E passamo a responder nessa mal traçada linha. Vocês quer moleza, já vi tudo. Mas a gente não tá a fim de criar caso. Só queremo jogar. Vocês pode trazer o juiz. Que com nós ele não vai ter vida mansa. Se tiver afanando a gente, nosso capitão do time toma o apito dele e dá pra outro. Nós sabe que na Barra do Catimbó só tem juiz ladrão. Nós não é otário. Mas aceitamo nessa base que botamo aqui. Agora, no negócio da bola, vocês traz a bola. Nós dá o campo e vocês a bola. Cada um dá uma coisa. Se quiser assim, tá combinado”. (Ass.: Olavo Silva – Diretor Esportivo do Flor do Ó)

    Mal o Azulão meteu as botucas no ofício do adversário, segurou o pivete mensageiro e fez com que ele esperasse às pamparras pra levar outro ofício de volta:

“Ilmo. Sr.
Diretores do Flor do Ó
  Juiz ladrão tem é no bairro de vocês. Tudo abafador. Nós manja a negada daí. E não adianta vim com grupo pra cima da gente que a gente não é trouxa e não vai entrar em truque de papagaio enfeitado da Freguesia do Ó. Juiz que a gente levar pra apitar o jogo apita até o fim e não adianta estrilo de capitão fajuto. Se nós leva o homem nós garante ele. Nisso vocês pode botar fé. E no negócio da bola não tem arrego. Vocês dá a bola. Todo mundo sabe que o dono do campo tem que dar a bola. Agora, se vocês quer arranjar pra não jogar é probrema de vocês. Nós foi convidado. Aceitamo porque nós não tem medo de ninguém. Na bola e no pau, nós somo mais nós”. (Ass.: Eldócio Pereira (Azulão) – Presidente do União da Barra do Catimbó)

    Ao tomar conhecimento do novo ofício do União, a curriola do Flor do Ó se entralhou e, sem demora, mandaram mais um ofício:

“Ilmo. Sr.
Diretores do União da Barra do Catimbó
  Nós vem por meio desta mal traçada linha avisar que não aceita esculacho de ninguém. Ladrão é vocês aí desse pedaço maldito e fedorento. Nós aqui é trabalhador. E dentro do campo quem fala mais alto, o único que chia é o capitão do time e se ele resolver tirar o pilantra que vocês botou pra apitar pode contar que ele tira porque a gente dá a maior moral pra ele. No negócio da bola, vocês tem que trazer a de vocês que a da gente tá com bexiga e pode estorar”. (Ass.: Olavo Silva – Diretor Esportivo do Flor do Ó)

    A diretoria do União da Barra do Catimbó, presidida pelo Azulão, não era de engolir desaforo. Por isso, mal acabaram de ler o ofício, se bronquearam e azedaram ainda mais na resposta:

“Ilmo. Sr.
Diretores do Flor do Ó
  A Barra do Catimbó não é bairro de ladrão, a mãe de vocês não mora aqui. Gaturama é a patota daí. E a gente não quer levar a bola nossa porque sabe que vocês vai querer roubar ela. A negada do Democrata contou pra nós que quando foi jogar aí a bola deles caiu na vala e vocês enrustiu ela e eles voltou sem bola. Nós não entra nessa. Deixa de ser fominha e bota a bola que vocês afanou do Democrata em campo”. (Ass.: Eldócio Pereira (Azulão) – Presidente do União da Barra do Catimbó)

    Esse ofício do Azulão revoltou bastante a turma do Flor do Ó e eles, naturalmente, enviaram um pra acabar com a graça:

“Ilmo. Sr.
Diretores do União da Barra do Catimbó
  Nós não afanou bola de ninguém, nós não ía se sujar por tão pouco. O Democrata aqui apanhou na bola e no tapa e por isso tá fazendo fuchico. Agora, vocês fez mal de meter a mãe no meio disso. Quando vocês der a fuça aqui, vão ter que engolir isso. Porque jogo só vai ter se vocês truxer a bola. Ladrão pensa que os outros é ladrão. Mas nós não é. Pode trazer a bola sossegado”. (Ass.: Olavo Silva – Diretor Esportivo do Flor do Ó)

    Por fim, o Azulão mandou o ofício definitivo:

“Ilmo. Sr.
Diretores do Flor do Ó
  Nós não vai porque não vai deixar os ladrão daí roubar nossa bola. Mas quando vocês quiser dar a bola, a gente vai. Quanto esse negócio de engolir o ofício da mãe de vocês, nós duvida e faz pouco. Estamos aqui pra qualquer coisa. Se vocês tem medo de vim aqui, pode esperar que nós se encontra nas quebradas”. (Ass.: Eldócio Pereira (Azulão) – Presidente do União da Barra do Catimbó)

    E por essas e outras, o União da Barra do Catimbó e o Flor do Ó ficaram sem jogo.


Plínio Marcos

(In: Pasquim, nº 200, 1973)