quarta-feira, 28 de maio de 2014

Machado de Assis A MORTE DE OFÉLIA (paráfrase de Hamlet) in Falenas (1870)


A MORTE DE OFÉLIA
(Paráfrase)

Junto ao plácido rio
Que entre margens de relva e fina areia
Murmura e serpenteia,
O tronco se levanta,
O tronco melancólico e sombrio
De um salgueiro. Uma fresca e branda aragem
Ali suspira e canta,
Abraçando-se à trêmula folhagem
Que se espelha na onda voluptuosa.
Ali a desditosa,
A triste Ofélia foi sentar-se um dia
Enchiam-lhe o regaço umas capelas
Por suas mãos tecidas
De várias flores belas,
Pálidas margaridas,
E rainúnculos, e essas outras flores
A que dá feio nome o povo rude,
E a casta juventude
Chama — dedos da morte. — O olhar celeste
Alevantando aos ramos do salgueiro
Quis ali pendurar a ofrenda agreste.
Num galho traiçoeiro
Firmara os lindos pés, e já seu braço,
Os ramos alcançando,
Ia depor a ofrenda peregrina
De suas flores, quando
Rompendo o apoio escasso,
A pálida menina
Nas águas resvalou; foram com ela
Os seus — dedos da morte — e as margaridas.
As vestes estendidas
Algum tempo a tiveram sobre as águas,
Como sereia bela
Que abraça ternamente a onda amiga.
Então, abrindo a voz harmoniosa,
Não por chorar as suas fundas mágoas,
Mas por soltar a nota deliciosa
De uma canção antiga,
A pobre naufragada
De alegres sons enchia os ares tristes,
Como se ali não visse a sepultura
Ou fosse ali criada.
Mas de súbito as roupas embebidas
Da linfa calma e pura
Levam-lhe o corpo ao fundo da corrente,
Cortando-lhe no lábio a voz e o canto.
As águas homicidas,
Como a laje de um túmulo recente,
Fecharam-se; e sobre elas,
Triste emblema de dor e de saudade,
Foram nadando as últimas capelas.


MACHADO DE ASSIS


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