O
HINO DO FUTURO É PARADISÍACO
Este poema é dedicado aos presos políticos do
Brasil-
Contra a tortura, pelas liberdades democráticas
“un cor feroce.
una virtute armata...”
Machiavelli
I
Todas estas embalagens mortas
todas estas estatísticas tolas
todos estes desabamentos dos miolos da Terra
todas estas moscas vaporizadas nos olhos dos
dementes
todas estas hérnias jogadas no lixo
todas as autópsias surrupiadas no escuro
todas as mãos decepadas eletrocutadas esmagadas
todas as bocas urrando sob o mesmo focinho incerto
toda a voracidade da TV & suas sucuris
metálicas da desolação
todos estes brinquedos tristes carregados de bala
de goma
todos os enforcados de cabeça para baixo
toda esta merda de marchas cívicas
todo o soluço do país soluço mais fundo que o
coração rubro da aurora
todas as academias & seus poetas empalhados
todas as pupilas do crime
todos os gorilas da guerra-fria & sua pop music
todos os garotos de 15 anos com cérebros de catarro
esperando a sepultura
todos os hippies de butique brincando de profetas
enquanto costuram os olhos do estudante
há uma porta trancada na cara do país
há um anúncio classificado que escapou da Idade
Média
há uma paisagem dilacerada escamoteada em símbolos
mais castrados que um cantor de rock
II
Neste momento uma ave desova o poente no calor de
novembro entre duas rochas onde a primeira é toda de cactus selvagens relutando
como um segredo relutando como o degredo da tua mais simples ilusão os ovos
rolam nas trevas onde rondam tigres para passar o tempo o tempo o tempo o tempo
III
Crianças deste mundo
Mares deste mundo
Flores deste mundo
homens, mulheres corações da noite
no fundo do olho do furacão
na ponta da faca do espaço
na franja vermelha das cidades
tua febre é o último adeus à resignação à moléstia
cardíaca do tédio
tua febre é a saída apertada entre dois goles de
vida
IV
para aqueles que vomitaram sangue
para aqueles que ofertaram o último suspiro
para aqueles que o raio X é o espectro de um
crocodilo acendendo um cigarro
para aqueles sozinhos
para aqueles que se calam diante dos regulamentos
para aqueles cujas almas se transformaram em
geléias de pura transcendência
para aqueles que não têm a Bahia como válvula de
escape curtição do grande embalo refrigerado tudo bem bicho legal tamos aí
para aqueles para os quais tudo é ilegal & que
vivem como bichos contra a vontade & fedem nas prisões estando aí à
disposição da bússola dolicocéfala da repressão
para aqueles que são procurados infernizados
enquanto tudo bem tudo bem canta a televisão na sua primavera animal
para aqueles cujos estômagos viraram papa &
seus cérebros cartuchos de dinamite
para aqueles que não têm mais filhos
para aqueles que perderam seus amores no último
trem blindado do Esquadrão da Morte
para aqueles que acordam sempre no mesmo lugar na
mesma manhã no mesmo arco-íris quebrado.
ROBERTO PIVA
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